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A governança corporativa, como a conhecemos hoje, nasceu da necessidade de separação entre propriedade e gestão em empreendimentos com múltiplos investidores, como a Companhia das Índias Orientais e outras semelhantes, fundadas na virado do século XVII.
Este conceito evoluiu ao longo dos séculos, especialmente à medida que as economias se desenvolveram e os mercados de capitais se expandiram. A governança corporativa abrange processos, costumes, políticas, leis e instituições que regulam como uma empresa é controlada ou dirigida, envolvendo as relações entre os diversos stakeholders, como acionistas, conselhos de administração, e outros interessados. Seu objetivo principal é aumentar a transparência, promover a justiça e garantir que as decisões tomadas pelos gestores estejam alinhadas com os interesses dos acionistas e outros stakeholders.
Um marco inicial no desenvolvimento de regulamentações corporativas foi o Bubble Act de 1720 no Reino Unido, criado em resposta ao colapso da South Sea Company. Embora não focado especificamente em governança, esse ato regulatório refletiu uma resposta inicial às falhas de mercado e à necessidade de supervisão das práticas corporativas.
No século XX, com a crescente complexidade das operações corporativas e vários escândalos financeiros, as regulamentações se tornaram mais detalhadas, como o relatório Cadbury (1992) e os princípios da governança corporativa da OCDE (1999). A Lei Sarbanes-Oxley (2002) foi estabelecida nos Estados Unidos após os escândalos de Enron e WorldCom e marcou um avanço significativo na legislação de governança, estabelecendo padrões de auditoria e relatórios financeiros para proteger os investidores.
No Brasil, o Código Comercial de 1850 pode ser considerado o primeiro marco legal relativo ao funcionamento de empresas. Apenas em 1976, com a criação da Lei das Sociedades por Ações (Lei das S.A nº 6.404/76), as sociedades por ações, tanto de capital aberto quanto de capital fechado, tiverem seu funcionamento estabelecido por meio de uma regulamentação unificada. Outro marco histórico brasileiro foi a criação do Novo Mercado pela B3, que incentivou práticas de governança mais rígidas em troca de uma maior visibilidade e supostamente maior segurança para os investidores.
Escândalos corporativos
Apesar dos esforços contínuos para melhorar a governança corporativa em todo o mundo e das inúmeras legislações e recomendações, não faltam exemplos de escândalos corporativos relacionados a falhas de governança. Vejamos alguns deles, ocorridos no século XX.
Enron (2001). A Enron, uma gigante do setor de energia, envolveu-se em uma das maiores fraudes corporativas da história. A empresa utilizava práticas contábeis complexas e pouco transparentes para mascarar sua real condição financeira, inflando artificialmente os lucros e escondendo dívidas. A falência da empresa em 2001 teve um impacto profundo na regulamentação corporativa e práticas de governança.
WorldCom (2002). A WorldCom era uma das maiores empresas de telecomunicações dos Estados Unidos e um gigante no setor, até que se envolveu em uma das maiores fraudes contábeis da história. Entre 1999 e 2002, a empresa inflou seus lucros em aproximadamente US$ 11 bilhões ao transferir despesas operacionais para contas de capital, o que distorceu gravemente seus relatórios financeiros.
Banco Santos (2004). O Banco Santos, comandado por Edemar Cid Ferreira, era uma instituição financeira brasileira em rápida ascensão, focada principalmente em crédito para empresas. Em 2004, foi revelado um rombo financeiro de aproximadamente R$ 25 bilhões devido a fraudes contábeis e má gestão. As operações fraudulentas inflavam artificialmente o patrimônio do banco, enquanto eram usados recursos da instituição para financiar luxos pessoais, incluindo obras de arte e propriedades.
Lehman Brothers (2008). O Lehman Brothers, um dos maiores bancos de investimento do mundo, utilizou práticas contábeis questionáveis, incluindo a técnica "Repo 105", para ocultar a extensão de seus passivos e melhorar artificialmente sua posição financeira. A falência da empresa em setembro de 2008 é frequentemente citada como um dos catalisadores da crise financeira global de 2008, destacando a necessidade de maior transparência e regulação no setor financeiro.
Banco Panamericano (2010). O Banco Panamericano foi envolvido em um grande escândalo de fraude contábil descoberto em 2010, que incluía a manipulação de balanços para esconder prejuízos e inflar ativos. A fraude veio à tona após a aquisição de uma participação pelo Grupo Silvio Santos e pela Caixa Econômica Federal, o que revelou a necessidade de injeção de bilhões de reais para estabilizar o banco.
Volkswagen (2015). A Volkswagen, um dos maiores fabricantes de automóveis do mundo, foi envolvida em um escândalo global após ser descoberto que a empresa instalou software em veículos a diesel para manipular os resultados de testes de emissões (Dieselgate). Isso afetou cerca de 11 milhões de carros em todo o mundo e prejudicou severamente a reputação da empresa, além de impulsionar mudanças regulatórias nos testes de emissões em vários países.
Theranos (2015). A Theranos, uma startup de biotecnologia liderada por Elizabeth Holmes, prometia revolucionar os testes de sangue com uma tecnologia que necessitava de volumes muito menores de sangue. A empresa foi valorizada em bilhões de dólares, mas investigações revelaram que muitos dos resultados dos testes foram falsificados e que a tecnologia prometida não funcionava como anunciado, levando a acusações de fraude maciça.
Wirecard (2020). Wirecard, uma empresa alemã de processamento de pagamentos, admitiu que €19 bilhões de seus fundos tinham "desaparecido". A fraude incluiu aumento artificial de lucros e balanços financeiros ao longo de anos e é um dos maiores escândalos financeiros da Alemanha.
Luckin Coffee (2020). Luckin Coffee, uma emergente rede de cafeterias na China, foi revelada por inflar suas receitas em cerca de US$ 310 milhões através de transações fictícias. A fraude foi um golpe significativo para a credibilidade do mercado de ações chinês e levantou questões sobre a governança corporativa em empresas chinesas.
Americanas (2022). As Lojas Americanas, uma das maiores varejistas do Brasil, revelou inconsistências contábeis que totalizaram um prejuízo de aproximadamente R$ 20 bilhões. A falta de controles internos adequados e uma supervisão deficiente permitiram que essas discrepâncias passassem despercebidas por anos, levando a uma crise de confiança e à necessidade de reestruturação financeira.
Consequências
As consequências de escândalos com os descritos não afetam as empresas envolvidas. A má gestão e falhas de governança dessas dez empresas provocou a falência ou dissolução de pelo menos seis delas, sem considerar a quebra de empresas coligadas ou vínculadas a elas. O escândalo da Enron, poe exemplo, provocou a dissolução da Arthur Andersen, uma das cinco maiores empresas de auditoria e contabilidade do mundo à época. Apesar dela ter sido considera inocente pela Suprema Corte Americana em 2005, o dano já estava estabelecido.
Independemente da continuidade ou não da empresa, houve grandes prejuízos financeiros diretos (investidores e credores) e indiretos (clientes, fornecedores e colaboradores). A falência do Lehman Brothers provocou uma crise em escala global, cujas consequências são quase imensuráveis. O Federal Reserve Bank de Dallas estimou que a perda acumulada da produção econômica mundial por causa dessa crise foi de 6 a 14 trilhões de dólares entre 2008 e 2009.
Como esperado, esses escândalos levaram a vários processos, multas, sanções e algumas prisões de executivos, como Jeffrey Skilling (Enron), Ken Lay (Enron), Bernard Ebbers (WorldCom), Edemar Cid Ferreira (Banco Santos) e Elizabeth Holmes (Theranos).
Outra consequência desse tipo de escândalo é a revisão de normas ou de leis por parte de órgãos regulatórios, de classe ou governamentais. A Lei Sarbanes-Oxley, criada nos Estados Unidos em 2002 e que impôs exigências rigorosas para relatórios financeiros e auditorias, foi uma resposta aos escândalos da Enron e da WorldCom.
Falhas de governança
As falhas ou erros que permitiram a ocorrência desses escândalos pode ser agrupadas em cinco temas diferentes. O primeiro são as falhas nos controles internos, que engloba diversas falhas em implementar ou manter sistemas de controle interno eficazes que poderiam detectar ou prevenir fraudes e discrepâncias financeiras. Falhas como supervisão insuficiente, controles internos fracos ou inadequados e deficiência em monitorar adequadamente os riscos financeiros são exemplos comuns que permitiram a manipulação financeira e práticas contábeis enganosas.
Em segundo lugar, destaca-se os conflitos de interesse e a falta de independência nos conselhos de administração, nos comitês de auditoria e entre os auditores externos, que comprometeram a objetividade e a eficácia da governança corporativa. Esses conflitos podem levar a decisões que beneficiam interesses particulares em detrimento dos interesses da empresa e de seus stakeholders, resultando em decisões prejudiciais e perda de confiança.
Observou-se também problemas de transparência e ética, que incluem a manipulação de relatórios financeiros, a falta de transparência nas operações financeiras e nos relatórios, bem como deficiências na ética corporativa. Tais falhas obscurecem a verdadeira situação financeira das empresas perante os investidores, reguladores e o público, facilitando a perpetuação de fraudes e má gestão.
Em quarto lugar, destaca-se as deficiências na cultura corporativa, que desencorajam a transparência e o questionamento, contribuindo significativamente para a perpetuação de práticas indevidas. Empresas cuja cultura promove práticas fraudulentas ou inibe a comunicação aberta e o debate crítico estão mais propensas a enfrentar escândalos e crises.
E, por fim, as falhas na supervisão e monitoramento ineficazes. Elas incluem a ineficácia do conselho de administração em exercer sua função de supervisão sobre a gestão e as operações da empresa. A falta de uma supervisão eficaz pode resultar em uma governança frouxa, onde práticas inadequadas ou ilícitas não são detectadas ou corrigidas tempestivamente.
Boardwashing
Boardwashing é um termo recente, que passou a ser usado em 2023, que se refere à manipulação ou distorção da governança corporativa, criando uma falsa impressão de eficiência e responsabilidade nos Conselhos de Administração. No entanto, como visto, o fenômeno em si não é novo. Antigamente, era referido como como whitewashing (em casos em que se tenta mascarar falhas ou questões problemáticas) ou tokenism (quando indivíduos são incluídos em um conselho apenas para representação simbólica, sem um real poder de decisão).
Independentemente do nome, essas práticas desrespeitam claramente todos os princípios de governança: transparência, responsabilidade, justiça e responsabilidade corporativa. Elas representam uma ameaça significativa à credibilidade e funcionalidade da governança corporativa e das próprias instituições.
Prevenção de escândalos em pequenas e médias empresas
As pequenas e médias empresas muitas vezes não possuem uma estrutura ou porte suficiente para contar com conselhos de administração. Apesar do conselhos consultivos não terem atribuições executivas e administrativas, eles também pode atuar para auxiliar na governança corporativa e na prevenção de escândalos e do boardwashing. Vejamos algumas ações que podem ser implementadas por ele.
Fortalecimento de controles internos
Promoção da independência e prevenção de conflitos de interesse
Incentivo à transparência e à ética
Aprimoramento da cultura corporativa
Implantação de mecanismos de supervisão e o monitoramento
Combate ao boardwashing
Promoção da responsabilidade corporativa
Revisão regular de políticas e práticas
Ao implementar essas medidas, os conselhos consultivos podem ajudar pequenas e médias empresas a estabelecer uma cultura de boa governança, reduzindo significativamente o risco de escândalos corporativos.
Conclusão
Os escândalos corporativos discutidos neste artigo revelam a importância crítica da governança corporativa eficaz, não apenas para as grandes corporações, mas também para pequenas e médias empresas. Embora estas últimas possam não ter conselhos de administração formais, a implementação de práticas sólidas de governança através de conselhos consultivos pode ser fundamental para prevenir fraudes, má gestão e consequentes danos financeiros e reputacionais.
A história nos mostra que, apesar da evolução constante das regulamentações e práticas de governança, novos desafios continuam a surgir. Isto ressalta a necessidade de vigilância contínua e adaptação das práticas de governança.
Para pequenas e médias empresas, os conselhos consultivos podem desempenhar um papel na prevenção de escândalos, atuando como guardiões da integridade corporativa. Ao focar em áreas-chave como fortalecimento de controles internos, promoção de transparência, cultivo de uma cultura ética, e garantia de supervisão eficaz, estes conselhos podem ajudar a construir uma base sólida de governança.
É importante ressaltar que a boa governança não é apenas uma questão de conformidade legal, mas um imperativo ético e estratégico. Empresas que adotam práticas robustas de governança não só mitigam riscos, mas também constroem confiança com stakeholders, atraem investimentos e posicionam-se melhor para o crescimento sustentável em longo prazo.
Em última análise, a prevenção de escândalos corporativos requer compromisso contínuo com a integridade, transparência e responsabilidade em todos os níveis da organização. Os conselhos consultivos, ao assumirem um papel proativo na orientação e supervisão, podem ser catalisadores fundamentais nesse processo, ajudando a criar um ambiente corporativo mais ético, resiliente e preparado para os desafios do futuro.
Não deixe a história se repetir. Faça parte da solução ao adotar e promover práticas de governança corporativa sólidas e éticas em sua organização. Seja um líder no seu campo, buscando sempre a transparência e responsabilidade. Sua ação hoje define o seu sucesso de amanhã.